Como sentir e fazer sentir pela paixão de dividir histórias tendo o corpo como ferramenta de trabalho
Contar uma história é dividir um mundo, um ponto de vista, um recorte, uma aventura, um amor e tudo aquilo que a natureza humana tem a capacidade de produzir. Independente da história em si, gosto de focar no dividir. Desde muito pequenos somos ensinados em casa e na escola sobre a importância de compartilhar os pertences, a comida e as brincadeiras. Na nossa sociedade, ser egoísta é visto como um defeito. Para alguns é mais fácil, para outros mais difícil. Quando penso em contar uma história, na maioria das vezes é porque houve paixão no encontro das palavras e o imaginário. As formigas da emoção correm pelo meu corpo e é instintivo pensar que PRE-CI-SO espalhar isso pelo mundo, quero que todos sintam o que senti. Tarefa difícil essa de querer disseminar um sentimento.
Nesse instante, a mente começa a percorrer o caminho do coração. Onde será que a história chegou? Como fazer essa trilha com o meu corpo para que ela chegue no outro? Se eu pudesse dar um exemplo, seria mais ou menos assim: sabe quando você come uma comida muito gostosa e fica empolgado para quem você gosta vá lá provar também? É isso! Uma necessidade de que o outro sinta o que você sentiu. Quando o convidado a viver a experiência faz cara de que não gostou, a indignação é instantânea.
– Como assim não gostou?
As memórias afetivas de cada indivíduo são diferentes, mas é possível atingir corações diversos com uma única história. Quando vivo essa experiência estética através de um livro, observo a obra como um todo: as palavras, as ilustrações, a diagramação que ditou o ritmo da leitura e que guiou as informações pelo meu cérebro, reparo em tudo e só então começo a transpor a história para o meu corpo. Palavras escritas me vêm à boca, as ilustrações são transformadas em sentimentos, a diagramação dita o ritmo da performance. A partir daqui, busco recursos externos que possam me ajudar no que sinto que meu corpo e imaginário não estão dando conta de expressar. Uma música, bonecos, adereços e demais cacarecos que depois tenho que carregar pra cima e pra baixo para as apresentações.
Nada disso é separado em caixinhas, as conexões se dão juntas. Mas é fato que o exercício de conexão, de colocar um figurino e repetir os caminhos me guiam para finalmente dividir a contação de histórias com a plateia.
Antes de entrar para realizar o encontro (apresentação) e guiar os corações (público) para que juntos possamos compartilhar uma história, considero essencial se conectar com a energia da obra. O corpo é energia, podemos fazer as mesmas marcações de cena, repetir o texto e concluir sem nenhum tropeço, mas se a energia não fluiu a lâmpada não acende. No momento da atuação, colocamos a culpa no barulho externo, no público que comia pipoca, no trânsito que peguei e até de Deus que está contra nós naquele dia. Mas não há culpados, há o imprevisível que pode ser um encontro. Mas se conectar com a energia da história também é treino. Algumas vezes acessamos o canal com facilidade e não tem Deus que nos tire do caminho, outras exigem um esforço maior. Quando sabemos o caminho de uma história com facilidade porque já trilhamos muitas vezes, a tarefa é ficar esperto porque é nessa hora que relaxamos e tropeçamos em uma raiz nova que cresceu na trilha. O contador de histórias não tem sossego, se já contou muito fica alerta para não relaxar, se contou poucas vezes tem que ficar conectado para não perder a energia. Todo encontro é um desafio.
Por isso, quando se ensaia, não se ensaia apenas o texto que vai ser dito, se ensaia entrar e sair dos estados*, se ensaia a conexão, se ensaia como se o outro estivesse ali dividindo com você, porque o fato é que não se pode dividir genuinamente aquilo que nunca sentimos.
Esse texto/relato é o que procuro viver, mas a vida tem outras formas de se apresentar. Nem sempre vamos poder viver o mundo ideal, mas mesmo no mundo não ideal a paixão por dividir se mantém acesa e já que vamos nos encontrar e vamos nos olhar nos olhos, durante estes 40 minutos vou te dar o meu melhor, e o meu melhor é contar história.
*Estado: chamamos de estado os sentimentos. O personagem sempre tem que ter um estado para entrar em cena. Trabalhamos os estados humanos mais primários, alguns deles são: AMOR, ÓDIO, ALEGRIA, RAIVA, MEDO, PAIXÃO, MARAVILHAMENTO, CORAGEM… muitas pessoas confundem o que é um estado. Costumo dar exemplo CANSADO, cansado não é um estado, já que você pode estar cansado porque ficou a noite inteira em um velório (TRISTE) ou cansado porque passou o dia na cachoeira (FELIZ). Por isso trabalhamos os estados primários para depois ir sobrepondo com as situações e ele ir se alterando.